sexta-feira, 13 de julho de 2012

Em cena - O vigor, outra vez



Com trajetória marcada por altos e baixos devido à turbulenta vida política italiana e à ausência de grandes gênios artísticos locais, o Balé do Teatro alla Scala de Milão, companhia criada em 1778, contratou como diretor artístico o russo Makhar Vaziev, responsável pelo processo de renovação coreográfica do Balé do Teatro Mariinsky (ex-Kirov), entre 1995 e 2008, período fundamental para reestruturação e internacionalização do grupo após o fim da URSS, em 1991.

É sob o olhar de Makhar que o Scala faz seu terceiro giro brasileiro (o grupo já esteve aqui em 1983 e 2004), a partir de hoje (dia 4), em Goiânia. Esta é única cidade que terá um programa diferente das demais, com uma gala que inclui peças clássicas de repertório do século 19, como os pas de deux de Dom Quixote (1869) e O corsário (1826), ambas de Marius Petipa (1818-1910), coreografias do início do século 20, como O espectro da rosa (1911) e A morte do cisne (1905), de Mikhail Fokine (1880-1942), e outras mais recentes, como os pas de deux de L'histoire de Manon (1974), de Kenneth MacMillan, e de Proust e as intermitências do coração (1988), de Roland Petit (1924-2011).

Em Belo Horizonte (dias 7 e 8), São Paulo (de 12 a 15) e no Rio (de 18 a 22), a única peça apresentada será o cavalo de batalha Giselle, em montagem de Yvette Chauviré, para a coreografia de Jean Coralli (1779-1854) e Jules Perrot (1810-1892). Em Minas Gerais, a trilha será executada pela Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, sob a regência do italiano Alessandro Ferrari. Em São Paulo e no Rio, o mesmo maestro fica à frente da Orquestra Sinfônica de Barra Mansa.

A turnê traz uma frustração para os baletômanos: nenhuma das étoiles da casa vem ao Brasil.


Em vez Roberto Bolle, Massimo Murro e Svetlana Zakharova, entra em cena uma geração de jovens primeiros-bailarinos.

Apesar de ter apresentado bons talentos masculinos recentemente, a companhia hoje sente o peso de não ter nenhuma bailarina de tal envergadura desde Alessandra Ferri, milanesa já aposentada, que brilhou pelos palcos do Royal Ballet, do American Ballet Theatre e do próprio Scala, a partir dos anos 1980.

As esperanças recaem, principalmente, sobre Petra Conti, alçada à primeira-bailarina por Makhar em dezembro passado, durante a turnê do Scala no Teatro Bolshoi – a primeira de uma companhia convidada desde que a casa foi reaberta, em meados de 2011, após uma longa reforma.

Petra teve uma carreira meteórica por ali. Ingressou em 2009 como membro do corpo de baile e, em apenas dois anos, conquistou o topo da carreira. Uma de suas principais características em cena é a ênfase aos elementos trágicos de suas personagens, fazendo de Giselle um de seus papéis de destaque. Seu partner, como Albrecht, é seu namorado na vida real, o albanês igualmente recém-nomeado primeiro-bailarino Eris Nezha. Na turnê brasileira, ela revezará o papel com a solista Antonella Albano, que fará dupla com Claudio Coviello.

Entre o balé e a ópera Os mais de dois séculos de história do Balé do Scala sempre foram ofuscados, de tempos em tempos, pela vocação natural da casa à ópera, algo forte até hoje: na temporada 2012/2013, por exemplo, a casa montará quinze óperas e apenas seis balés.

Foi com as coreografias de Salvatore Viganò (1769-1821) que a dança clássica começou a ganhar prestígio por ali, tal como na França. Até então, a tradição de dançarinos italianos dava mais valor ao lado grotesco das interpretações e ao espetacular, com saltos e piruetas, do que à pantomima e à técnica. Ao mesclar essas duas influências, Viganò batizou o estilo de suas criações de "coredrama".

Ele foi seguido por Carlo Blasis (1797-1878), que deu força à então recém-criada escola do Teatro, em 1813, transformada em berço de alguns dos mais brilhantes bailarinos da época. O gosto italiano pelo excesso nunca foi deixado de lado, mas, nas mãos de Blasis, ele ganhou refinamento - o virtuosismo era lapidado a favor da técnica. Não é à toa que Pierina Legnani (com o ineditismo de seus 32 fouettés como Cisne Negro) tenha sido sua pupila.

Todo esse trabalho ascendente murchou, em 1848, com o processo de reunificação italiana, após sucessivos anos de guerra entre França e Áustria, que disputavam a cidade de Milão. Durante três anos, o teatro permaneceu fechado. Após o período, o sucessor de Blasis, Auguste Hus, voltou ao treinamento caricato do grotesco, com foco na ginástica que favorecia saltos espetaculares. O Scala voltava à estaca zero.

A companhia só veio reaparecer no cenário da dança pós-Segunda Guerra Mundial com a ascensão da milanesa Carla Fracci, étoile afamada por dividir os palcos com Rudolf Nureyev (1938-1993). Desde então, o grupo vem buscando vigor, recuperando peças de sua própria tradição, como Excelsior (1881), de Luigi Manzotti (1835-1905), e tentando resgatar a força de sua assinatura, que se traduz em bailarinos vigorosos, virtuosos e tecnicamente precisos.

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